EXPOSIÇÃO . OUTRAS PAISAGENS
OUTRAS PAISAGENS
Coleção Dulce e João Carlos de Figueiredo Ferraz
Período: 18 de março a 16 de maio de 2020
Não recomendado para menores de 12 anos
Se buscarmos no Google, encontraremos a definição de paisagem como: "expansão de território que o olhar alcança num lance, uma vista, um panorama ou conjunto de componentes naturais ou não de um espaço externo que pode ser apreendido pelo homem". Em outras palavras, uma paisagem pode ser natural ou citadina. Paisagem, segundo o dicionário, pode ser, ainda, "um desenho, quadro, gravura, foto, ou qualquer manifestação artística, cujo tema principal é a representação de uma paisagem, geralmente de lugares campestres". Surgida em torno de 1415 segundo alguns historiadores, a paisagem como termo e noção "nos viria da Holanda, transitaria pela Itália, se instalaria definitivamente em nossos espíritos com a longa elaboração das leis da perspectiva e triunfaria de todo obstáculo quando, passando a existir por si mesma, escapasse a seu papel decorativo e ocupasse a boca de cena." ¹

A paisagem é definida de onde é observada. Portanto, sob o ponto de vista do observador. Não podemos esquecer, entretanto, que o observador, ou seja, nós, fazemos parte da paisagem. Ela é o cenário do nosso dia a dia.

São inúmeros os artistas que representaram, e que ainda representam, paisagens naturais ou de cidades no mundo todo, principalmente por meio da pintura e da fotografia. Graças a eles, podemos vislumbrar como eram os lugares e culturas de cada época sob diferentes pontos de vista, e ter registrado nosso tempo para gerações futuras. Entretanto, uma representação de paisagem não é só um registro de um local, mas, principalmente, a expressão de um instante que depende da estação, do horário, da claridade, do estado de espírito, que muitas vezes, no caso da pintura, é transposto para o ateliê.

Especificamente na história da arte moderna, o pintor francês Paul Cézanne (1839-1906) - que, entre outras magníficas obras, pintou o monte Saint-Victoire (Aix en Provence, França) inúmeras vezes, em diferentes perspectivas e momentos do dia e do ano - , levou a paisagem à uma outra compreensão por meio da utilização de cores quase primárias e perspectivas inusitadas. Conforme carta escrita pelo artista em 1904: "A natureza, para nós homens, está antes na profundidade do que na superfície, e daí a necessidade de introduzir em nossas vibrações luminosas, representadas pelos vermelhos e amarelos, uma quantidade suficiente de tons azulados para dar a sensação de atmosfera." ²

Esta exposição reúne obras de artistas contemporâneos brasileiros que captaram diferentes paisagens e as traduziram das mais diversas maneiras. Das pinturas aos gráficos, podemos entender como o artista da nossa época vê e representa o seu entorno, seja no campo, no mar ou na cidade. Sem dúvida, os artistas contemporâneos são influenciados por muitos outros artistas da nossa época e de épocas anteriores.

Iniciamos a exposição pelo painel de entrada, onde temos dois pequenos trabalhos da artista nascida em Belo Horizonte, Laura Belém. A série Paisagem Seca, são desenhos feitos em papel carbono e colagem sobre papel, inspirados em um tipo específico de jardim japonês, conforme define a própria artista, muito embora possam nos remeter às paisagens do alemão Caspar David Friedrich (1774-1840) que dizia "o artista deve pintar não só o que vê diante de si, mas também o que vê dentro de si". A produção de arte contemporânea é autorreferente e essa autorreferência é atemporal e múltipla.

Logo após, vemos o livro/obra Horizonte do Desassossego, da dupla Angela Detânico e Rafael Lain, ambos nascidos em Caxias do Sul, RS. Um horizonte de palavras inspiradas nos escritos de Fernando Pessoa.

À frente, na parede oposta à entrada, nos deparamos com uma instalação do artista Marcelo Moscheta, feita com pedras e, sobre elas, montanhas desenhadas em grafite (que também é um mineral), trazendo para o espaço expositivo uma paisagem natural. Uma das questões mais presentes na arte contemporânea é justamente essa dicotomia entre real e o não real. Afinal, o que é uma paisagem real? Essa mesma pergunta nos vem à mente quando nos deparamos com a estrada em perspectiva realizada em pastel sobre papel pelo artista Recifense Kilian Glasner. Pode parecer uma estrada comum mas, se atentarmos nosso olhar, percebemos um ambiente um tanto surreal. Será que esse lugar existe? É um desenho ou uma fotografia? O mesmo acontece com a bela marinha da paulistana Claudia Melli, localizada em frente ao desenho de Glasner, também um desenho a nanquim, mas sobre vidro.

Na parede à esquerda da instalação de Moscheta, o desenho vigoroso a carvão do santista Fabricio Lopez nos leva a refletir sobre a bela paisagem onírica cuja ambientação gera uma dúvida: é dia ou noite? Gravurista notável, como pudemos conferir recentemente na exposição do artista apresentada nesta sala reunindo gravuras e matrizes de grandes dimensões, Lopez desenha e entalha com o mesmo vigor gestual.

Ao lado do desenho de Lopez, a obra Ensaios para Ver a Terra, do brasiliense Pedro Hurpia, mostra uma série onde o artista está inserido na paisagem em diversas situações. Localizado ao lado da janela da sala que dá para uma linda vista da cidade de Ribeirão Preto, este trabalho é um convite ao espectador para pensar e exercitar a paisagem.

Em frente à janela, temos uma pintura de Mariannita Luzzati que nos remete ao Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, cuja geografia é admirada no mundo todo. O simples contorno com essa forma específica já nos faz identificar sua localização. Da mesma maneira que, ao vermos a fotografia de Edu Simões, reconhecemos a cidade maravilhosa, mas sob um olhar totalmente diferente. Enquanto Luzatti lança mão da pintura, e do tempo que ela exige (e pintura demanda tempo e dedicação do artista e do espectador), Simões se vale da câmera fotográfica, que capta a imagem em alguns segundos. O olhar reflexivo e romântico de Luzatti se contrapõe à ironia de Simões.

Já a fotografia da alemã/paulistana Janaina Tschäpe, uma espécie de autorretrato em meio à cidade, nos mostra a solidão da personagem, que sonha em voar para fora do labirinto de edifícios.

Ladeando o trabalho de Tschäpe, temos duas cenas citadinas. Uma fotografia do paulista Cristiano Mascaro, que mostra uma mulher tomando sol na janela de um edifício em pleno centro de São Paulo, e uma paisagem vista por uma janela de uma casa desabitada na Alemanha pós-guerra, feita pela paulistana Lina Kim. A fotografia de Lina leva o espectador de dentro da casa para a paisagem natural, onde árvores aparecem em meio a uma atmosfera outonal. Ao seu lado, a frondosa árvore captada por Edu Simões, no aterro do Flamengo mostra a exuberância da flora brasileira.

A pintura Senhora do Irupé, do rio-grandense-do-sul Fernando Lindote, revela uma pedra e flores em primeiro plano, e uma árvore e uma ninfeia em segundo plano. Apenas o espectador mais atento percebe uma figura quase invisível ao fundo, numa paisagem de atmosfera mágica.

Ao lado desta pintura, temos uma fotografia realizada em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina pelo carioca Claudio Edinger que nos lembra as ninfeias pintadas pelo francês Claude Monet (1840-1926), no século XX.

A referência histórica e a citação são constantes na arte contemporânea. O mesmo acontece com a pequena fotografia da também carioca Jaqueline Vojta, uma clara referência às pinturas do paisagista inglês John Constable (1776-1837), realizadas no vilarejo de Flatford, na Inglaterra.

Na mesma parede, ao fundo, temos duas cenas marinhas com diversos petroleiros, do paulistano Wagner Malta Tavares, que podem trazer à nossa memória as marinhas e portos de William Turner (1775-1851), outro paisagista inglês famoso. Intituladas Oblívio (perda de memória, ato de esquecer), as fotografias possuem a mesma atmosfera onírica e nebulosa da pintura de Lindote e da fotografia da carioca Brígida Baltar, que retrata uma personagem perdida em meio à paisagem, buscando captar a neblina.

Na pequena parede ao fundo, próximo às escadas, vemos uma paisagem por trás garrafas de vidro da paulistana Marcia Xavier. Outra prática comum na arte desde o artista francês Marcel Duchamp (1887-1968) é a utilização de objetos encontrados como meio de expressão. Neste caso, as garrafas são apropriadas para embriagar o olhar. A foto do horizonte marinho parece dançar em meio a elas. O título da obra nos dá a dica...

Próximo à escada, também, encontramos o livro de artista do paulistano Paulo Climachauska, conhecido por seus trabalhos onde as relações entre arte, economia e sociedade estão sempre presentes. Seriam paisagens ou gráficos econômicos?

A exposição apresenta, ainda, a paisagem marinha Barquinho, do fotógrafo soteropolitano Mario Cravo Neto ao lado de pequenas pinturas realizadas pela jovem paulistana Ana Sario. Uma delas, homenageia Cézanne. As outras, imagens obtidas no Instagram, trazem o formato das antigas Polaroids e nos levam à época em que uma imagem fotográfica podia desaparecer em pouco tempo.

Esperamos, com esta exposição, mostrar que um tema tão antigo na arte persiste e está presente na produção de vários artistas brasileiros. Mas a paisagem muda, o tempo todo. Ficam, apenas, os registros na nossa memória e aqueles deixados pelos artistas.

Rejane Cintrão
Coordenadora
Instituto Figueiredo Ferraz
Aterro do Flamengo - Tataré, 2011
Edu Simões (1956)
Série Clichê Rio
Lagoa, 2001
Edu Simões (1956)
Série Clichê Rio
Garota na Janela, 1972
Cristiano Mascaro (Catanduva, 1944)
Impressão em papel CansonInfinity - 36 x 24 cm
Pouliguem, 2011
Marcelo Moscheta (São José do Rio Preto, 1976)
Grafite sobre PVC, ferro e pedras - 226 x 268 x 70 cm
Rua Maestro Ignácio Stábile, 200 | Alto da Boa Vista | Ribeirão Preto | SP | Brasil
Terça a Sábado, das 14h às 18h | Entrada Gratuita
+55 16 3623 2261 | +55 16 3623 2262
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