EXPOSIÇÃO . LINHA DE CONTORNO
LINHA DE CONTORNO
Artista: Marcia Pastore
Texto Crítico: Yuri Quevedo
Período: 25 de outubro a 13 de dezembro de 2025
Livre para todos os públicos
Linha de contorno

Yuri Quevedo

Pelo menos desde os anos 90, se tornou cada vez mais comum constatar que vivemos em um mundo atravessado por imagens, mediado por redes virtuais, no qual estruturas sólidas parecem se dissolver em relações líquidas. Está certo que a noção sobre esse estado de coisas é bem mais antiga, remontando ao século XIX, às críticas ao capitalismo, à revolução industrial e, mais adiante, à todas as considerações feitas sobre a cultura de massas com seu impacto sobre o comportamento e a visualidade coletiva. Mas a era da internet transformou aquilo que parecia ser a sensação de uma época em um modo de vida.

Se há certo pessimismo progressista nessas constatações, é possível também enxergar algum comodismo próprio de um sujeito atordoado com o novo. É inegável que uma parte grande da conquista de direitos hoje tem a ver com a fluidez, ou maleabilidade, de estruturas antes mais rígidas como o corpo ou a história. Afinal, a transformação da vida em imagem – e imagens manipuláveis – garante uma plasticidade a contornos antes muito bem definidos.

O trabalho de Marcia Pastore – artista constante desde os anos 90 – é a demonstração material dessa plasticidade contemporânea. Interessada no impacto da força sobre a forma, a artista equaciona os vetores de peso e tensão para atestar o óbvio: espaço, presença e materialidade não são unidades e não resultam em experiências universais.

As Arapucas, interrompem o espaço moderno inaugurado pela perspectiva por meio de uma ocorrência insólita, a gravidade de um bloco cerâmico. Se os renascentistas estruturaram um campo no qual, a partir de um olho universal, o mundo pode ser ordenado segundo as leis da geometria, Marcia distorce esse esquema se valendo da gravidade. Nessa operação, a artista também incide sobre o cubo branco, separando da solidez da parede uma membrana quadriculada que materializa um novo espaço. Esse espaço virtual que estamos tão acostumados a mergulhar, avança para fora em direção a nós. O entre que agora está passível de ocupação, é gerado pelo peso do tijolo que nele reside. É um corpo cuja força e posição cria o próprio lugar. Pensando assim, a ameaça contida no título do trabalho não parece à toa.

O tijolo volta a ser testado em outros trabalhos, quando a artista usa uma cinta para mantê-los juntos, empilhados e em equilíbrio. Agora Marcia inverte o vetor da força e o bloco que era o princípio gerador da Arapuca, é comprimido pelo abraço de uma linha de contorno, a ponto de perder sua característica seriada, racional. A presença que se afirmava antes - a ponto de criar o próprio espaço - se mostra frágil diante da nova investida, e perde a forma na tentativa de se acomodar à pressão.

O que faz Marcia, afinal, é nos mostrar que as linhas de contorno não são limites naturais da forma, muito menos inertes. Ao contrário, são forças determinantes que, quando aplicadas sobre um corpo, alteram sua estrutura ao passo que sofrem resistência de sua composição. Tomar consciência desse jogo de forças, de como ele exige negociações e força adaptações, talvez se aproxime a uma outra consciência, aquela nem sempre possível em um mundo atravessado por imagens: a consciência política.
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Terça a Sábado, das 14h às 18h | Entrada Gratuita
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